Leia o conto “A Vaca” de Moacyr
Scliar:
A VACA
Numa noite de temporal, um navio
naufragou ao largo da costa africana. Partiu-se ao meio, e foi ao fundo em
menos de um minuto. Passageiros e tripulantes pereceram instantaneamente.
Salvou-se apenas um marinheiro, projetado à distância no momento do desastre.
Meio afogado, pois não era bom nadador, o marinheiro orava e despedia-se da
vida, quando viu a seu lado, nadando com presteza e vigor, a vaca Carola.
A vaca Carola tinha sido
embarcada em Amsterdam.
Excelente ventre, fora destinada a
uma fazenda na América do Sul.
Agarrado ao chifre da vaca, o
marinheiro deixou-se conduzir; e assim, ao romper do dia, chegaram a uma ilhota
arenosa, onde a vaca depositou o infeliz rapaz, lambendo-lhe o rosto até que
ele acordasse.
Notando que estava numa ilha deserta,
o marinheiro rompeu em prantos: ''Ai de mim! Esta ilha está fora de todas as
rotas! Nunca mais verei um ser humano!'' chorou muito, prostrado na areia,
enquanto a vaca Carola fitava-o com seus grandes olhos castanhos.
Finalmente, o jovem enxugou as lágrimas e pôs-se de pé.
Olhou ao redor: nada havia na ilha, a
não ser rochas pontiagudas e umas poucas árvores raquíticas. Sentiu fome;
chamou a vaca: ''Vem Carola '' ordenhou-a e bebeu leite bom, quente e
espumante. Sentiu- se melhor; sentou-se e ficou a olhar o oceano, ''Ai de
mim''- gemia de vez em quando, mas já sem muita convicção; o leite fizera-lhe
bem. Naquela noite dormiu abraçado à vaca. Foi um sono bom, cheio de sonhos
reconfortantes; e quando acordou - ali estava o ubre a lhe oferecer o leite
abundante. Os dias foram passando e o rapaz se apegava cada vez mais com a vaca.
''Vem Carola!'' ela vinha, obediente.
Ele cortava um pedaço de carne tenra
- gostava muito de língua - e devorava-o cru, ainda quente, o sangue escorrendo
pelo queixo. A vaca nem mugia. Lambia as feridas, apenas. O marinheiro tinha
sempre o cuidado de não ferir órgãos vitais; se tirava um pulmão, deixava o
outro; comeu o baço, mas não o coração. Com pedaços de couro o marinheiro
fez roupas e sapatos e um toldo para abrigá-lo do sol e da chuva. Amputou a
cauda de Carola para espantar as moscas.
Quando a carne começou a escassear,
atrelou a vaca a um tosco arado, feito de galhos, e lavrou um pedaço de terra
mais fértil, entre as árvores. Usou o excremento do animal como adubo. Como
fosse escasso, triturou alguns ossos, para usá-los como fertilizante. Semeou
alguns grãos de milho, que tinham ficado nas cáries da dentadura
de Carola. Logo, as plantinhas começaram a brotar, e o rapaz sentiu renascer
a esperança. Na festa de São João, ele comeu canjica. A primavera chegou. Durante a noite uma brisa
suave soprava de lugares remotos, trazendo sutis aromas.
Olhando as estrelas, o marinheiro
suspirava. Uma noite, arrancou um dos olhos de Carola, misturou-o com água
do mar e engoliu esta leve massa. Teve visões voluptuosas, como nenhum mortal
jamais experimentou... Transportado de desejo aproximou-se da vaca... E ainda
dessa vez, foi Carola quem lhe valeu.
Muito tempo se passou, e o marinheiro
avistou um navio no horizonte. Doido de alegria, berrou com todas as forças,
mas não lhe respondiam: o navio estava muito longe. O marinheiro arrancou um
dos chifres de Carola e improvisou uma corneta. O som poderoso atroou
os ares, mas ainda assim não obteve resposta.
O rapaz desesperava-se: a noite caia
e o navio afastava-se da ilha. Finalmente, o rapaz deitou Carola no
chão e jogou um fósforo aceso no ventre ulcerado de Carola, onde um pouco
de gordura ainda aparecia.
Rapidamente a vaca incendiou-se. Em
meio a fumaça negra, fitava o marinheiro com seu único olho bom. O rapaz
estremeceu; julgou ter visto uma lágrima. Mas foi só impressão. O clarão chamou
a atenção do comandante do navio; uma lancha veio recolher o marinheiro. Iam
partir, aproveitando a maré, quando o rapaz gritou: ''Um momento!''; voltou
para a ilha e apanhou do montículo de cinzas fumegantes, um punhado que guardou
dentro do gibão de couro. ''Adeus Carola '' - murmurou. Os tripulantes da
lancha se entreolharam. ''É do sol'' - disse um. O marinheiro chegou ao seu
país natal. Abandonou a vida no mar e tornou-se um rico e respeitado granjeiro,
dono de um tambo com centenas de vacas. Mas apesar disto, tornou-se infeliz e
solitário, tendo pesadelos horríveis todas as noites, até os quarenta anos. Chegando
a esta cidade, viajou para Europa de navio.
Uma noite, insone, deixou o luxuoso
camarote e subiu ao tombadilho iluminado pelo luar. Acendeu um cigarro
apoiou-se na amurada e ficou olhando o mar. De repente, estirou o pescoço,
ansioso. Avistara uma ilhota no horizonte.
- Alô - disse alguém, perto dele.
Voltou-se. Era uma bela loira, de
olhos castanhos e seios opulentos.
- Meu nome é Carola - disse
ela.
CONHECENDO O AUTOR...
Moacyr Scliar
Nasceu em Porto Alegre em 1937. Autor
de mais de setenta livros em vários gêneros, romance, conto, ensaio, crônica,
ficção infanto-juvenil, suas obras foram publicadas em mais de vinte países,
com grande repercussão crítica. Recebeu numerosos prêmios, como o Jabuti (1988,
1993 e 2000), o APCA (1989) e o Casa de las Américas (1989). Foi colaborador em
vários órgãos da imprensa no país e no exterior. Teve seus textos adaptados
para cinema, teatro, televisão e rádio, inclusive no exterior. Foi médico e
membro da Academia Brasileira de Letras. Morreu em março de 2011.
WinStar World Casino and Resort - Joliet - JT Hub
ResponderExcluirWinStar 남양주 출장마사지 World 계룡 출장마사지 Casino and Resort 오산 출장마사지 is the East Coast's premier integrated resort destination. The 양산 출장안마 award-winning casino 군포 출장마사지 resort features 3000+ slots,